O nome Thor ou Þórr em nórdico antigo, assim como Donar, Dunnar, Þunraz, Þunor, Taranis, Tuireann, etc., possuem a mesma origem etimológica, que significa "trovão". A própria palavra thunder é uma variação de "thunor". Tal fato é interessante, pois reforça e a reafirma o fato de Thor ser o deus do trovão, raios, relâmpagos e tempestades.
A aparência do deus:
O Thor dos mitos e o deus que era cultuado antigamente, não era louro e
de barba feita, como ficou marcante sua representação pela Marvel
Comics. Embora alguns desenhistas já retratem o deus nórdico do trovão
com barba, mesmo assim, sua aparência e roupas não se assemelham ao que
seria na época de seu culto, principalmente na Idade Média. O verdadeiro
Thor era ruivo e barbudo.
|
Desenho retratando Thor como ruivo e barbudo, assim como era descrita sua aparência nos mitos e poemas. |
Alguns poemas falam que
Thor conseguia provocar vendavais e tempestades sem precisar usar o seu
martelo, ele apenas balançaria ou sopraria sua barba vermelha. Para
Davidson [2004] a ideia da barba ruiva, estaria associada ao céu
avermelhado diante dos clarões dos trovões, ou do início de tempestades.
Além de ser ruivo, o deus era descrito como sendo alto e musculoso,
possuía uma voz grave (algo que remeteria ao som das trovoadas), e em
alguns poemas se conta que ele teria olhos vermelhos.
Conhecendo Thor:
Embora o deus do trovão
fosse uma divindade bastante cultuada pelos escandinavos, a história de
sua origem não é bem detalhada, pelo menos nunca se encontrou até hoje
mais informações que detalham sua origem. Sabe-se que ele era filho de
Odin e da deusa da terra Jörd. Contudo, sua mãe é uma deusa pouco expressiva no panteão escandinavo, mencionada poucas vezes nos poemas eddicos. Jörd era filha dos deuses Annar e Nótt (deusa da noite), além de ser meia-irmã de Aud e Dag. Os melhores relatos sobre sua procedência advém da primeira parte da Edda em prosa, chamada Gylfaginning escrita por Snorri Sturluson no
século XIII. Mesmo assim, a deusa é mencionada brevemente, e além de
está associada a terra, também estaria ligada a fertilidade e a
natureza.
|
Desenho representando a deusa Jörd e o pequeno Thor. |
Jörd teria sido uma amante ou concubina de Odin, contudo Thor foi criado na casa do pai, o Palácio Valhala.
De fato, nos poemas que contam os antigos mitos, não temos notícias da
relação dele com sua mãe, mas apenas com seu pai e outros deuses. Thor
acabou se tornando o mais poderoso dos deuses nórdicos, e um dos mais
temperamentais.
Os poemas nos revelam que o deus era bastante temperamental, as vezes
perdia a paciência facilmente e partia para a agressão. Além disso, ele
era beberrão e guloso, bravo e aventureiro. Thor era o campeão dos
deuses, constantemente os mitos nos contam que ele estava de viagem a Jotunheim, a terra dos gigantes (jotuns), a fim de confrontá-los. Thor embora não fosse um deus da guerra como Tyr e
Odin, mas era um guerreiro nato, as pessoas invocavam seu nome pedindo
força, coragem e proteção, como será visto mais adiante. O deus dos
trovão era um guerreiro que vivia atrás de aventuras e de batalhas, algo
diferente do caráter de Odin, o qual em geral procurava conhecer as
pessoas, se disfarçando para coletar informações, para instruir ou
enganar.
"De todos os deuses, Tor é o herói mais característico do tempestuoso
mundo dos vikings. Barbudo, franco, indomável, cheio de vigor e energia,
ele põe toda a sua confiança em seu braço forte e suas armas simples.
Ele caminha a passos largos pelo reino norte dos deuses, um símbolo
apropriado para o homem de ação". (DAVIDSON, 2004, p. 61).
|
Desenho retratando Thor atravessando um rio, enquanto os demais deuses cavalgavam pela ponte arco-íris Bifrost. |
Na Edda em prosa e na Edda poética (conjunto de poemas escandinavos escritos entre os séculos X e XIII), conta que enquanto os deuses desciam de Asgard cavalgando pela Bifrost, indo se reunir na gruta do Poço de Urd (local associado a previsão do destino e lar das deusas do destino, as Norns),
para participarem de reuniões, era dito que Thor seguia viagem a pé,
atravessando rios, campos, florestas, montanhas, etc. E geralmente ele
vinha do Leste, onde ficava localizado Jotunheim. Além disso, pelo fato
de Jörd ser a deusa da terra, essa era considerada a guardiã de Midgard,
o lar dos homens, logo, Thor também passou a ser visto como um guardião
da humanidade, algo importante a se mencionar, pois isso marca alguns
aspectos do culto a esse deus.
Nas eddas, Thor é conhecido principalmente por dois
epítetos, diferente de seu pai que possuía dezenas de nomes, o deus do
trovão possui poucos nomes, sendo os mais conhecidos: Ásathor e Ökuthor. A palavra Ásathor significa "Thor dos Aesir", pois os deus escandinavos estavam divididos em duas famílias, os Aesir e os Vanir.
Por sua vez, Ökuthor significaria algo como "Thor o cocheiro" ou "Thor o
condutor", pois alguns mitos contam que o deus costumava voar pelos
céus numa carroça puxada por dois bodes negros, chamados Tanngnjóst ("dente triturador") e Tanngrisnir
("dente perfurador"). O som das rodas da carruagem seria associado aos
trovões, e ao mesmo tempo a passagem do deus pelos céus, também era
visto como prenúncio de tempestades ou das chuvas de primavera, que
marcavam o início do plantio.
|
Thor e sua carroça puxada por Tanngnjóst e Tanngrisnir. |
Esposa e filhos:
Embora viajasse
constantemente para Jotunheim, ou se aventurasse por Midgard
confrontando gigantes intrusos, Thor vivia em Asgard, a terra dos
deuses, localizada na copa da grande árvore Yggdrasil, a qual conectava os nove mundos que formavam a concepção de universo para os escandinavos. Em Asgard ele vivia no grande Palácio Bilskirnir,
considerado por Snorri como o maior de todos os palácios, no sentido de
extensão, pois Valhala era o principal palácio em Asgard.
"Governa o reino chamado Trúdvangar e seu palácio é chamado Bilskirnir.
Naquela fortaleza há seiscentos e quarenta aposentos e ela é a maior
morada conhecida pelos homens". (STURLUSON, 1993, p. 75).
Thor era casado com a bela deusa Sif, uma das Aesir, embora não
se saiba quem são seus pais. Sif é uma deusa pouco expressiva no panteão
escandinavo, acredita-se que estivesse associada ao lar, a família, mas
também pudesse está associada a algum culto a terra e ao plantio, pois
alguns mitólogos sugerem que os seus cabelos dourados, seriam uma
referência ao trigo. Snorri, fala que antes dela se casar com Thor ela
tivera um filho chamado Uller (Ull ou Ullr), o qual é o deus da
justiça e do julgamento. Ele também estava associado a agricultura e a
caça. Não se conhece seu pai.
"Ull, filho de Sif e adotado por Thor, é um outro deus. É tão hábil com o
arco e flecha como com os esquis; com ele ninguém pode competir. Possui
também uma sublime aparência e todas as características de um grande
guerreiro. É indicado invocá-lo nos duelos". (STURLUSON, 1993, p. 82).
|
A bela deusa Sif de cabelos dourados, era esposa de Thor. |
Com Sif, Thor tivera duas filhas, as deusas Lorride e Thrud.
Sobre Lorride praticamente nada se sabe, seu nome é pouco mencionado
nas eddas, por sua vez sabe-se que Thrud estava associada ao clima,
dizia-se que de acordo com seu temperamento o dia poderia ficar
ensolarado, nublado ou tempestuoso. Tal fato, reforça a condição de ser
filha do deus do trovão e raios.
|
O
anão Alvis e a deusa Thrud. A deusa era conhecida por ser tão bela
quanto a sua mãe, e isso atraiu o anão Alvis, o qual tentou cortejá-la,
mas Thor com ciúmes da filha, transformou o anão em pedra. Tal história é
contada no poema Alvismál. |
Além dessas duas filhas e do enteado, Thor teve dois filhos. Ele teve um caso com a giganta Járnsaxa ("espada de ferro"), conhecida por ser uma valente guerreira, e mencionada como uma das nove mães do deus Heimdal.
Enquanto Sif representava a mulher dona de casa, esposa e mãe, Járnsaxa
encarnava a mulher guerreira, a amante e a companheira de aventuras. As
informações que possuímos através dos poemas e dos mitos que chegaram
até nós, não nos revelam detalhes sobre a família dessa giganta ou o seu
relacionamento com Thor, apenas se menciona ela como amante do deus e
mãe de um de seus filhos.
|
A giganta Járnsaxa representada numa carta de um tipo de tarô. |
Com essa giganta, Thor tivera um filho chamado Magni ("Força").
Diz-se que Magni é tão forte quanto o seu pai, como foi atestado no
mito que conta o confronto entre Thor e o gigante Hrungnir, o
qual acabou tombando morto sobre Thor, mas este não conseguira se
levantar, então os deuses tentaram erguer o gigante, mas apenas o
pequeno Magni que na ocasião era uma criança, conseguiu erguer uma das
pernas do gigante, para que seu pai saísse debaixo do cadáver.
O outro filho de Thor chama-se Modi ("Coragem") embora
praticamente nada se saiba sobre ele. Alguns atribuem Modi como sendo
filho de Járnsaxa, porém, os mitólogos apontam que nas fontes não há
menção de quem fosse a mãe de Modi. De acordo com as eddas, tanto
Modi e Magni conseguiram sobreviver ao Ragnarok, e herdaram
o poderoso martelo de seu pai. Os dois serão alguns dos poucos deuses
que sobreviverão a batalha final.
A morte de Thor:
Os deus nórdicos não
eram imortais como visto em outras mitologias, onde tais divindades eram
eternas. Os deuses assim como as demais criaturas do universo eram
mortais, logo, um dia iriam morrer, e o Ragnarok seria esse tempo.
Os nórdicos interpretavam o Ragnarok como uma profecia de fim
de mundo e de renovação, algo parecido com a ideia cristã de Apocalipse, mas
com várias diferenças. Enquanto no Apocalipse cristão, a raça humana será
exterminada pelos Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Morte, Guerra, Fome e
Peste), por monstros, pragas e desastres naturais, até que em fim seja
exterminada, para que assim Jesus desça a terra, acompanhado de sua legião de
anjos, para que inicie o Juízo Final.
No caso do Ragnarok esse será marcado por nevascas e
geadas, catástrofes naturais e uma grande guerra que se espalhará
pelos nove mundos, matando muitos, inclusive alguns dos deuses. É dito que a
raça humana seria quase aniquilada, pois dois ser humanos, um homem e uma
mulher ainda conseguiram sobreviver, além disso, alguns deuses sobreviverão e
voltaram a governar o universo e a raça humana continuará a existir. Em suma o
Ragnarok não seria o fim derradeiro, assim como o Apocalipse bíblico não é o
fim derradeiro, pois após este e o julgamento final, começarão os "anos de
paz do Senhor na Terra". Sobre o prenúncio do Ragnarok Snorri dissera o
seguinte:
"Primeiro, chegará o inverno chamado Fimbulvetr. Neve
cairá de todas as direções, haverá fortes geadas e ventos cortantes e o sol não
terá mais valia. Três invernos como este haverá, sem que haja verões entre
eles. Mas estes três outros invernos virão acompanhados de grandes guerras, ao
redor de todo o mundo. Irmãos matarão irmãos por avareza e ninguém poupará pai
ou filho de assassínio e incesto". (STURLUSON, 1993, p. 125-126).
Será
em meio ao caos do Ragnarok que Jormungand voltará a se erguer das
profundezas do oceano, e cuspirá seu letal veneno sobre os combatentes e
a terra, matando plantas e animais. E nesta ocasião em meio as chamas e
gelo que consomem o mundo, Thor partirá para enfrentar seu inimigo
derradeiro em sua última batalha. Os poemas não detalham o conflito
épico, mas sabemos que a luta foi árdua, pois mesmo Thor com seus
mortais raios e seu poderoso martelo, não conseguiu vencer facilmente a
colossal criatura.
|
Thor confrontando Jormungand em sua batalha final. |
Após
a terrível batalha, a grande serpente caí morta, contudo, o deus do
trovão sai gravemente ferido da luta. Os poemas são categóricos em dizer
que após vencer, Thor deu nove passos para trás e caiu morto. Pois não
resistiu ao veneno de Jormungand. E dessa forma simples acaba sua vida,
pois tanto o Voluspá, como a Edda em prosa e outros poemas, relatam o mesmo: nove passos ele deu, antes de cair morto. Assim ambos os inimigos chegam ao mesmo fim.
|
Thor morto. Lorenz Frolich, 1895. |
O culto a Thor:
Até
aqui vimos algumas características e histórias sobre a vida e os feitos
do deus do trovão, mas agora passamos para conhecer o seu culto. A
religião escandinava não era homogênea, dependendo do local ela tinha
variações. Não obstante, não havia profetas ou livros que ditassem a
doutrina e os dogmas, os ensinamentos eram passados oralmente, e os
sacerdotes eram os responsáveis por manter os ritos vivos. A fé destes
povos estava ligada a adoração de ídolos, oferta de oferendas
e sacrifícios, realização de ritos em templos ou em locais abertos; a
magia, a vidência, o respeito pela natureza, etc., estavam associadas a
estas práticas. Isso é importante, pois Thor estava intimamente ligado a
natureza em alguns aspectos de seu culto como será visto.
"Diz-se que a figura do deus com seu martelo estaria presente em muitos
templos, no fim do período pagão. Ouvimos falar mais das imagens de Tor
do que dos outros deuses, e quando ele partilhava um templo com outras
divindades ficava com o lugar de honra. São mencionadas ricas túnicas, e
a ele seriam feitos sacrifícios de carne e pão em seus templos na
Noruega. Seus adorados buscavam a orientação da imagem de Tor quando
tinham de tomar decisões difíceis". (DAVIDSON, 2004, p. 63).
Infelizmente muitas dessas estátuas e templos foram queimados pelos
cristãos quando estes começaram a evangelizar a Escandinávia e as terras
que os vikings habitavam. A evangelização começou a se intensificar por
volta do ano 1000 e em 1300, boa parte dos escandinavos já eram
cristãos, mesmo assim, havia locais onde o culto aos antigos deuses
ainda se mantinha.
|
Thor. Lorenz Frolich, 1907. |
Em alguns dos templos
foram encontrados estátuas de Thor do tamanho de um homem e até mesmo
maiores do que uma pessoa, estando este em sua carruagem puxada pelos
dois bodes. Alguns relatos encontrados nos manuscritos Heimskringla e Flateyjarbók falam sobre estes templos e as estátuas.
"Tor se sentava no meio. Era o que recebia a maior honraria. Ele era
enorme e todo adornado de ouro e prata. Foram feitos arranjos para que
Tor se sentasse em uma biga; ele estava esplêndido. Havia bodes, dois
deles, atrelados à frente, muito bem amarrados. Tanto a biga quanto os
bodes corriam sobre rodas. As cordas em volta dos chifres eram feitas de
prata retorcida, e tudo era trabalhado com extrema habilidade".
(DAVIDSON, 2004, p. 63 apud Flateyjarbók, I, 268).
Nas sagas que contam a história do rei da Noruega, Olaf Tryggvason (c.
960-1000), o qual foi responsável por introduzir o cristianismo na
Noruega, certa vez ele visitou um templo do deus Thor, onde um homem
chamado Skeggi (talvez o sacerdote do local) pediu que o rei
puxa-se a corda envolta dos chifres da estátua de dois bodes, ao fazer
isso, a carruagem se movimentou. Skeggi disse que o rei havia feito uma
homenagem ao deus, mas por essa época, Olaf já era cristão e aquilo o
irritou, então ele ordenou a destruição dos ídolos e do templo.
A carroça de Thor estava associada aos trovões, tempestades
e possivelmente também a chuva. Nos poemas antigos, fala-se que quando o
deus viajava em sua carroça, o céu se iluminava e tremia (trovões,
raios e relâmpagos), ao mesmo tempo, alguns diziam que chuva caía na
ocasião. Não obstante, há hipóteses de que Thor também estivesse ligado a
primavera. Dizia-se que os gigantes de gelo eram os responsáveis
por causar o inverno. Quando a primavera começava, as pessoas diziam
que Thor havia mais uma vez derrotado os gigantes de gelo, os fazendo
recuar para a fria e nebulosa Nilfheim, sua terra.
|
Estátua de Thor e sua carroça. Islândia. |
"Não era apenas o poder
de Tor sobre o trovão que se encontrava simbolizado dentro do templo.
Vemos também em muitas passagens nas sagas um grande anel de ouro ou
prata pelo qual juramentos eram feitos, e que era guardado nos templos
onde Tor era venerado. Há evidências independentes de que esse anel era
consagrado a Tor, pois em fontes irlandesas o 'anel de Tor' é um dos
tesouros tirados do templo em 994. Antes disso, em 876, os líderes
dinamarqueses pagãos na Inglaterra fizeram uma trégua com o rei Alfred
e, de acordo com a Crônica anglo-saxônica (Anglo-Saxon Chronicle), teriam feito juramento a ele pelo anel sagrado". (DAVIDSON, 2004, p. 64).
No relato da Eyrbyggja Saga, conta-se que o anel, era na verdade um bracelete. Por sua vez, no Hauksbók
falava que o anel pesava duas onças em prata, logo, seria um anel de
dedo. Contudo, os historiadores acreditam que o anel de Thor fosse
representado das duas formas, tanto como um anel convencional, como
também um bracelete.
O anel também estaria associado ao martelo Mjölnir no quesito da
consagração. Nas sagas e nos poemas, vemos que Thor além de usar seu
martelo como arma, ele também o usava para consagrar ou abençoar. Por
exemplo, no Thrymskivida,
o martelo seria usado para consagrar o casamento de Thrym com Freiya;
na viagem a Útgard, Thor usou o martelo para consagrar os dois cavalos
sacrificados, e no dia seguinte os ressuscitou; no funeral do deus Balder (meio-irmão de Thor por parte de pai), ele usou o martelo durante os ritos fúnebres. Davidson [2004], nos conta que em algumas assembleias como a Assembleia Geral da Islândia,
as sessões se iniciavam no Dia de Thor, e neste local se encontrava uma
imagem do deus, pois o mesmo estaria ali para presenciar e consagrar
aquelas sessões.
Outro símbolo associado ao culto
do deus, eram os pilares e a terra. Pelo fato de Thor ser filho da deusa
da terra, este elemento também fazia parte de seu culto. Nas sagas Landnámabók e Eyrbyggja, nos fala que Thorolf Mostrarskegg ("Thorolf, o homem barbudo de Most") decidiu deixar a pequena ilha de Most e seguir para a Islândia, a fim de fugir da tirania do governo do rei Haraldo I da Noruega
(também conhecido como Haroldo Cabelo Belo). Mas antes de partir,
Thorolf foi consultar o deus Thor indo ao seu templo, a resposta foi
favorável, e assim ele pegou os pilares ou colunas da cadeira do deus,
levou consigo toras de madeira do templo e um punhado de terra que
ficava sob o assento do deus.
Ao chegar nas Islândia antes de
pisar em terra, ele jogou as colunas no mar, como forma de agradecer a
viagem segura, e então, escolheu um lugar para construir sua casa e um
novo templo ao deus.
"O templo é descrito em detalhes no quarto capítulo de Eyrbyggja Saga.
Ele tinha colunas, com 'pregos do deus' nelas, o anel sagrado, uma
vasilha sacrifical onde era despejado o sangue de animais sacrificados
ao deus e imagens de Tor e outras divindades". (DAVIDSON, 2004, p. 65).
As colunas e a terra estariam
associadas a deusa Jörd, mas tendo como intermediador o seu filho, o
deus Thor. Para alguns mitólogos, as colunas seriam símbolos de
fundação, de legitimação da criação de algo em algum lugar, e ao mesmo
tempo, estariam associadas como forma de proteção, pois seriam uma ideia
de ligação entre a terra e o céu, onde o deus morava. Indicações
apontam que alguns dos pilares de madeira encontrados nos templos,
possuíssem gravuras esculpidas nestes, podendo ser runas ou
representações do próprio deus do trovão. Além disso, o Landnámabók menciona
outras passagens, onde homens jogaram colunas de madeira ao mar
agradecendo a proteção do deus. Pelo fato de Thor está associado as
tempestades, os marinheiros costumavam orar pedindo sua proteção para
que pudessem chegar em segurança aos seus destinos.
Além disso, os carvalhos,
especialmente os maiores e mais velhos eram associados ao culto do
deus. De fato o carvalho era uma árvore sagrada para muitos povos
europeus (vikings, gregos, romanos, celtas, francos, germanos, bretões,
etc.).
Os carvalhos solitários, os quais
ficavam me meio a campos, eram alvos fáceis para os raios, daí é bem
provável que as pessoas passaram a nutrir um pensamento de que aquela
árvore estava ligada ao deus Thor, pois de alguma forma atrairia seus
raios. Algumas cerimônias ao deus eram feitas diante de carvalhos ou
bosque de carvalhos. Não obstante, o próprio deus Odin possuía alguns
ritos ligados a essa árvore, especialmente sacrifícios humanos, onde
homens eram enforcados e apunhalados com lanças, enquanto eram
pendurados por cordas aos galhos desta árvore.
|
Em
723, São Bonifácio derrubou um dos carvalhos dedicados ao deus Thor, e
usou a madeira deste na construção de uma igreja. Os adoradores do deus
consideraram aquilo uma ofensa. |
Outro artefato ligado ao
culto do deus eram pregos de ferro. Arqueólogos encontraram algumas das
colunas usadas nos ritos ao deus, possuindo pregos cravejadas nestas,
além disso, relatos escritos no século XVII na região da Lapônia falavam
que havia estátuas do deus Thor com pregos na cabeça e até mesmo uma
pederneira. De acordo com Davidson [2004] essa ideia de pregos
e pederneiras advêm do mito no qual conta a luta entre Thor e o gigante
Hrungnir.
"O gigante estava armado com uma pedra de afiar e um escudo de pedra.
Quando Tor apareceu com trovão e relâmpago, jogou seu martelo em
Hrungnir enquanto o gigante atirava a pedra contra ele. A pedra se
despedaçou, e um pedaço pequeno ficou na cabeça de Tor. Supostamente,
estaria lá até hoje". (DAVIDSON, 2004, p. 66).
|
Thor matando Hrungnir. Ludwig Piestch, 1865. |
"O estranho fato da
pedra deixada na cabeça de Tor pode ser explicado pela prática lapônia
de usar a cabeça do deus do trovão como uma fonte de fogo. A pedra de
afiar do gigante chocando com o martelo do deus seria equivalente ao
acender do fogo com pederneira de aço; e isso, por sua vez, representava
o relâmpago". (DAVIDSON, 2004, p. 66).
Em alguns tempos do deus havia locais onde se acendia fogo, o qual era
associado como se fosse um "fogo sagrado". Além disso, Thorolf quando
demarcou seu terreno para construir sua casa e um templo a seu deus, ele
usou fogo para demarcar a área. Contudo, o uso de fogo não era algo
comum entre os vikings, provavelmente Thorolf o fez seguindo algum
preceito ritualístico ligado ao culto do deus.
Passamos agora para falar do martelo como símbolo do culto a Thor. Até
aqui vimos que o martelo era a arma do deus, contudo, também era
utilizado em rituais para consagração. Há indícios e relatos que apontam
o uso de martelos ritualísticos na realização de casamentos, batismos
(os cristãos não eram os únicos a batizar as crianças, vários povos
antigos já realizavam essa prática), ritos fúnebres, inauguração de um
templo, cerimônias, etc. De fato, relatos antigos apontam para a
existência de martelos nos templos dedicados ao deus, e o uso dos mesmos
em algumas cerimônias, contudo por volta do século X, os vikings já
estavam acostumados a usarem pingentes em forma de martelo.
"De todos os simbolismos religiosos da Escandinávia da Era Viking, certamente o
martelo de Thor (mjöllnir: triturador) é o que possui a maior quantidade de referências literárias, tanto nas Eddas quanto nas sagas islandesas. Nestas fontes, podemos caracterizar o martelo de Thor em três significados principais: como instrumento ritual e mágico: o martelo consagra nascimentos, casamentos, mortes, funerais, juramentos; assegura propriedades; consagra a terra e a propriedade; propicia a ressurreição e a fertilidade da vida; símbolo fálico; marca de fronteira; usado para localizar ladrões; como arma: ele defende o mundo, os deuses e os homens contra as forças do caos; como instrumento: o martelo protege contra os elementos naturais (Bray, 2006: 5; Lindow, 1994: 489)". (LANGER, 2010, p. 15).
Motz [1997] conta que
após o final da Era Viking, os povos escandinavos e germânicos ainda
mantiveram em sua cultura aspectos ritualísticos que era relacionados ao
martelo de Thor, mas neste caso eles usavam machados. Ele fala de
machados sendo usados para consagrar banquetes, casamentos, colocados
debaixo da cama, atrás da porta, arremessados no campo antes do plantio;
machados colocados na proa dos barcos, machados arremessados para se
medir a distância de terrenos, etc. Todas essas práticas, segundo Motz,
são heranças desses ritos de atribuições ao martelo Mjölnir. Ele ainda
complementa dizendo que algumas bandeiras e heráldicas traziam
machados.
|
Ilustração
de um pingente em formato do Mjölnir. Pingentes assim foram bastante
usados do século X até pelo menos o século XIII ou XIV. |
Usar um pingente em
forma de martelo poderia ser para o intuito de se pedir força para a
batalha e ao mesmo tempo se pedir proteção na luta, proteção durante uma
viagem, proteção contra tempestades ou outros perigos. O martelo de
Thor foi associado por alguns historiadores e mitólogos ao crucifixo
usado pelos cristãos.
"Outras conexões relacionam Thor com o xamanismo, os ferreiros e os
cultos de guerreiros, como em Horagales, na área lapônica, cujos
tambores mostravam uma figura masculina com um martelo ou suástica
(Lindow, 1994: 500). Desta maneira, não há como desvincular mjöllnir de ser tanto um objeto heróico, como mágico e protetor". (LANGER, 2010, p. 69).
Embora o martelo tenha se tornado um símbolo bastante conhecido em
referência ao deus Thor e até mesmo aos seus equivalentes entre outros
povos como Horagalles para os lapões; Donar para os germanos; e, Tunor
para os anglo-saxões; não há indicativos que os vikings usassem martelos
de guerra, e ao mesmo tempo, o antigo símbolo do trovão era o machado
de duas lâminas ou machado duplo, tal símbolo ainda era encontrado por
volta do século X em algumas pedras na Escandinávia e até em pingentes.
Os historiadores e mitólogos cheguem a ideia de que o machado duplo
evoluiu para o martelo Mjölnir, embora não se saiba quando isso
aconteceu e o por quê de tal mudança. Por fim, fica a questão: porque
Thor tinha como arma um martelo de cabo curto, e não um machado, ou uma
espada, ou uma lança?
Motz [1997] comenta que é
um mistério o emprego do martelo como artefato bélico, pois se olharmos
para os outros deuses nórdicos, eles usavam lanças e espadas. Além
disso, Thor em momento algum utiliza o Mjölnir para realizar atividades
de ferreiro, artesão, etc. O martelo além de ser usado como arma, é
usado em momentos ritualísticos como já vistos aqui.
Contudo, Motz chama a
atenção que entre os povos germânicos e outros povos antigos, havia a
crença que os raios eram pedras incandescentes que caíam do céu. Logo,
as pessoas procuravam por tais "pedras" para usarem como amuletos,
fabricar armas ou ferramentas, pois tais "pedras do trovão" teriam
"propriedades" mágicas. Nessa perspectiva, o martelo além de ser um
instrumento de trabalho dos ferreiros, é também usado por artesãos e até
mesmo nas pedreiras para se quebrar pedras. Estaria esse fato associado
ao martelo, essa relação entre "arma e pedra do trovão"? Se pegarmos a
mitologia grega, os raios de Zeus eram feitos por Hefesto ou por três
ciclopes-ferreiros, os quais usavam martelos para forjar os raios do rei
dos deuses.
"Parece realmente que o poder do deus do trovão, simbolizado por seu
martelo, se estendia sobre tudo o que tinha a ver com o bem-estar da
comunidade. Ele cobria nascimento, casamento, morte e cerimônias
funerárias e de cremação, e os juramentos feitos pelos homens. A famosa
arma de Tor não era apenas o símbolo do poder destrutivo da tempestade e
do fogo do céu mas também uma proteção contra as força do mal e da
violência. Sem ela, Asgard não poderia mais ser protegida dos gigantes, e
os homens contavam com ela também para lhes dar segurança e garantir a
regra da lei". (DAVIDSON, 2004, p. 70).
|
Thor em uma ilustração para o jogo Age of Mythology. |
Um aspecto ainda a ser mencionado sobre o deus é que existem hipóteses de que ele também estaria associado aos mortos. No poema Hárbarðsljóð, um dos poemas que compõe a Edda poética, trata do diálogo entre Thor e o barqueiro Hárbard,
o qual na realidade era Odin disfarçado. Thor precisava atravessar o
mar, mas Hárbard se nega a ajudar o deus e começa a lhe fazer perguntas e
a zombar dele. Em uma desses zombamentos, ele dissera que Odin recebia em Valhala as almas dos nobres (jarl) e dos valorosos guerreiros, quanto a Thor esse ficaria com os homens comuns (karl) e os escravos (thrall).
Além dessa breve menção, outros poemas também sugerem o mesmo, embora
os relatos sejam poucos, poderia haver a possibilidade de que aqueles
que não morressem como honrados guerreiros no campo de batalha para irem
para Valhala ou Folksvang, ou não morressem de doença, velhice,
acidente e assassinato para irem a Helheim, então poderiam ir para
Bilskirnir, a morada de Thor?
Ainda hoje Thor é lembrando semanalmente em algumas parte do mundo, pois a quinta-feira em língua inglesa é chamada de Thursday ("Dia de Thor"), em alemão fala-se Donnerstag ("Dia de Donar"), em dinamarquês e sueco se fala Torsdag ("Dia de Thor"). Tal fato se deve que quando os germanos, anglo-saxões e vikings adotaram o calendário juliano dos romanos,
estes dividiam a semana em sete dias, nomeando cada dia com o nome de
um deus, mas os germanos e os anglo-saxões preferiram adotar o nome de
seus próprios deuses.
Thor e o Cristianismo
Quando
o Cristianismo começou a se espalhar a partir do século X pela
Escandinávia, muitas pessoas relutaram em aderir a nova fé, preferindo
continuar a adorar seus deuses, isso gerou desavenças entre os
pregadores cristãos e a população pagã, e com o tempo, histórias
começaram a surgir, envolvendo Thor.
"O
culto a Tor teve uma vida longa na Europa ocidental. No século XI, ele ainda
era venerado com entusiasmo pelos vikings de Dublin, e no fim do período pagão
era visto como o principal adversário de Cristo. Na Noruega, Tor é descrito
participando em um cabo-de-guerra com o campeão de Cristo, o rei Olaf
Tryggvason, sobre uma fogueira, enquanto na Islândia uma entusiástica adoradora
dos velhos deuses contou a um missionário cristão que Tor tinha desafiado
Cristo para enfrentá-lo em combate corpo a corpo". (DAVIDSON, 1987, p. 61).
"Poemas citados em Njáls Saga declaram que Tor levantou as tempestades
que fizeram soçobrar o navio do missionário cristão Thangbrand. O poder
de Tor sobre o mar poderia, claro, ter um uso mais positivo para
beneficiar seus adoradores, como no caso em ele teria e encalhado uma
baleia nas praias de Vineland em resposta às preces de Torhal, um dos
exploradores. Torhal contou, garboso, aos seus companheiros: O
barba-vermelha superou o seu Cristo! Fiz isso com minha poesia, que
compus sobre Tor, em quem os homens confiam". (DAVIDSON, 2004, p. 71).
Mas se por um lado os pagãos tentavam tirar vantagem contra os cristãos,
contando os feitos de seu deus contra Cristo, os próprios cristãos
chegaram a assimilar alguns aspectos dos ritos a Thor. O pingente em
forma de martelo foi comparado ao crucifixo como já mencionado; os
pregos encontrados em colunas de madeira, ou em algumas das estátuas do
deus, foram associados aos pregos usados na crucificação de Jesus; não
obstante, o fato de Thor ser associado como protetor da humanidade
(devemos ter em mente que nem todos os deuses eram bondosos) foi mais um
aspecto usado para compará-lo a Jesus.
Os epítetos do deus do trovão:
Diferente de seu pai que
possuía vários nomes, Thor possuía poucos epítetos dentre os quais,
alguns eu já mostrei aqui, mas voltarei a mencioná-los novamente e citar
outros nomes.
- Ásathor - "Thor dos Aesir"
- Ökuthor - "Thor o cocheiro" ou "Thor o condutor"
- Vingthor - "Thor que consagra"
- Hleirródi
- Véurr
NOTA: A deusa Jörd também é chamada pelos nomes de Fyörgyn e Hlódyn.
NOTA 2: Nas
histórias em quadrinhos da Marvel Comics, Thor é filho de Odin e Gaea, a
qual personifica tanto a deusa grega da terra, Gaia, assim como a
própria Jörd.
NOTA 3: Nas
histórias em quadrinhos a personalidade de Sif se aproxima mais da
giganta Járnsaxa do que da deusa Sif em si. Pois nos quadrinhos Sif é
morena e uma guerreira, diferente dos mitos e da religião, onde ela
estava associada a família e a fertilidade da terra.
NOTA 4: Os
romanos quando conheceram o deus germânico Donar, o equivalente de Thor
para esse povo, chegaram a compará-lo ao herói grego Héracles (Hércules em latim), pois Donar/Thor era um herói entre deuses e homens; depois o compararam ao deus Vulcano
(Hefesto), pois o deus usava um martelo, o problema é que Vulcano era o
deus do fogo, da forja e dos ferreiros. O martelo é uma ferramenta
típica dos ferreiros. Então eles compararam o deus a Júpiter
(Zeus), pois ele era o deus dos trovões e raios. Todavia, hoje se fomos
estudar tais comparações, Júpiter e Thor possuem mais diferenças do que
semelhanças, estando ligados apenas pelo fato de serem deuses do trovão e
dos raios.
Referências Bibliográficas:
Anônimo. Edda
Mayor. Tradução e notas de Luis Lerate. Madrid, Alianza Editorial, S.A,
1984.
STURLUSON, Snorri. Edda em prosa. Tradução, apresentação e
notas de Marcelo Magalhães Lima. Rio de Janeiro, Numen, 1993.
LANGER, Johnni. Vikings. In: As Religiões que o Mundo esqueceu.
FUNARI, Pedro Paulo (org.), São Paulo, Editora Contexto, 2009, p. 130-143.
LANGER, Johnni. Símbolos
religiosos dos Vikings: guia iconográfico. Revista História,
imagem e narrativas, n. 11, 2010.
DAVIDSON,
Hilda. O mundo dos deuses. Escandinávia. Lisboa, Editorial
Verbo, 1987, p. 109-114.
DAVIDSON, Hilda. O deus do
trovão. Deuses e mitos no norte da Europa.
São Paulo, Madras, 2004, p. 61-77.
DAVIDSON,
Hilda. Thor hammer. Folklore, n. 76, 1965, p. 1-15.
CANDIDO, Maria Regina (org.). Mitologia germano-escandinava: do caos ao
apocalipse. Rio de Janeiro, NEA/UERJ, 2007.
NIEDNER, Heinrich. Mitología
Nórdica. Traducción
de Gloria Peradejordi. Barcelona, Olimpo, 1997.
LINDOW, John. Norse Mythology: A guide to the gods, heroes,
rituals, and beliefs. New York, Oxford University Press, 2001.
LINDOW, John.
Thor´s visit to Útgardaloki. Oral
Tradition, n. 15, 2000, p. 170-186.
LINDOW,
John. Thor´s hammar. Journal of English and Germanic Philology, n. 93
(4), 1994, p. 485-503.
FRANCHINI, A. S; SEGANFREDO, Carmen. As
melhores histórias da mitologia nórdica. 5ª ed,
Porto Alegre, Artes e Ofícios, 2006.
MOTZ, Lotte.
The Germanic thunderweapon. Saga-Book, n. 24 (5), 1997, p. 329-350.
Fonte das ilustrações e texto:
http://seguindopassoshistoria.blogspot.com.br